Preciosidade do meu baú de tesouros da juventude, um par de chinelos de palha me traz à consciência alguém de quem por muito tempo descuidei.
Sua trama de marfim, ao mesmo tempo singela e elaborada, sempre roubou das funções logarítmicas a minha atenção. Bocejou comigo durante as leituras de textos parnasianos. Sustentou as minhas idas e vindas nos padrões psicodélicos dos anos 70.
Suas alças delicadas de palhinha trançada me lançavam à contemplação dos próprios pés, afastando a ansiedade de me preocupar com os caminhos por onde estes me levariam.
Fruto da habilidade de um artesão anônimo em uma praia esquecida de um planeta imaginário, o marfim tingido com as marcas da minha pele esfarelou sob mim, num dia qualquer, junto com os anseios infantis.
Como se apagasse, assim, os meus passos errados, cansado de me alertar sobre o óbvio. Farto dos atalhos que eu tomava, entortando o meu caminho para encostá-lo no mundo.
Essa montagem é uma dívida que eu tenho com a criança que foi reformatada sempre que sentiu a palha esfarelar sob si e cujos pés de pele e palha ainda caminham.
A composição consiste em uma montagem baseada em colagem digital, 20 x 20 cm, mix de exemplares de chinelos de borracha com estampas desenvolvidas por mim e dispostos sobre superfície de palha trançada.
Talvez a mais completa, desenho e poesia em total sintonia, lembrei Manuel Bandeira, não sei porque. Parabéns!